O Que Deve Constar Numa Procuração em Portugal

A A procuração é um instrumento jurídico fundamental que permite a uma pessoa, designada por outorgante, atribuir poderes a outra, o procurador, para agir em seu nome e representação. Compreender os elementos que devem constar neste documento é essencial para garantir a sua validade e eficácia jurídica.

Natureza e Fundamento Legal

A procuração representa a forma mais comum de conferir representação voluntária no ordenamento jurídico português, estando regulada nos artigos 262.º e seguintes do Código Civil. Através deste documento, o outorgante concede ao procurador poderes para praticar actos jurídicos em seu nome, criando uma relação de representação que permite ao mandatário actuar como se fosse o próprio mandante perante terceiros e entidades.

Tipos de Procuração

As procurações podem assumir diferentes formas consoante a solenidade exigida e os poderes conferidos. Quanto à forma, pode ser uma procuração particular, redigida em documento simples sem reconhecimento de assinatura, adequada para situações de menor complexidade. Existe também a procuração com reconhecimento de assinatura, onde um notário, advogado ou solicitador certifica a autenticidade da assinatura do outorgante, sendo esta forma necessária para a maioria dos actos junto de entidades públicas. Por fim, a procuração por escritura pública, lavrada obrigatoriamente por notário em cartório, é exigida para actos de maior relevância, como a compra e venda de imóveis.

Quanto à extensão dos poderes conferidos, distinguem-se as procurações gerais, que atribuem poderes amplos para administração de bens mas que não abrangem actos de disposição salvo menção expressa, das procurações especiais, que conferem poderes limitados para actos específicos e determinados, sendo estas últimas as mais comuns e recomendadas. Existe ainda a procuração com cláusula “in rem suam”, utilizada quando o procurador tem interesse directo no negócio, sendo por isso irrevogável salvo justa causa.

Elementos Essenciais

A identificação completa do outorgante constitui o primeiro elemento fundamental, devendo incluir o nome completo, o número do Cartão de Cidadão ou Bilhete de Identidade, o Número de Identificação Fiscal, a data de nascimento, o estado civil e a morada completa. Quando o outorgante é uma pessoa colectiva, deve indicar-se a denominação social completa, o Número de Identificação de Pessoa Colectiva, a sede social e a identificação do representante legal que outorga a procuração.

Igualmente importante é a identificação do procurador, que deve seguir os mesmos critérios de completude. É possível nomear vários procuradores, devendo nesse caso especificar-se claramente se podem actuar conjunta ou separadamente, pois esta distinção tem implicações práticas significativas na execução dos poderes conferidos.

Poderes Conferidos

A especificação dos poderes constitui o cerne da procuração e merece atenção particular. Para actos bancários, deve indicar-se com precisão as contas que podem ser movimentadas, os limites de valores para cada operação, se o procurador pode efectuar transferências, contrair empréstimos ou prestar garantias. Esta especificidade evita dúvidas futuras e protege ambas as partes.

Quando se trata de actos imobiliários, os poderes devem ser ainda mais detalhados. É necessário identificar precisamente o imóvel através do artigo matricial e descrição predial, indicar se o procurador pode comprar, vender, arrendar ou hipotecar, estabelecer valores máximos ou mínimos para as transacções e conferir expressamente poderes para celebrar contratos-promessa, escrituras públicas e requerer os respectivos registos.

Para representação em actos judiciais, além dos poderes gerais de representação em juízo, devem mencionar-se expressamente os poderes especiais quando necessário, nomeadamente para confessar, desistir, transigir ou recorrer de decisões. No âmbito fiscal, os poderes devem permitir a representação perante a Autoridade Tributária, o acesso ao Portal das Finanças, a apresentação de declarações e a possibilidade de impugnar liquidações.

Prazo de Validade

A procuração pode ter um prazo determinado, indicando uma data específica de início e fim, ou referir-se a um período concreto como “válida pelo prazo de seis meses”. Pode também ser outorgada por tempo indeterminado, mantendo-se válida até revogação expressa pelo outorgante. Existe ainda a possibilidade de vincular a procuração a um acto específico, cessando automaticamente com a sua realização. Esta definição de prazo deve ser cuidadosamente ponderada em função da natureza dos actos a praticar.

Local, Data e Assinatura

A procuração deve mencionar o local onde é outorgada, geralmente a cidade ou localidade, elemento importante para determinar o foro competente em caso de litígio. A data completa, incluindo dia, mês e ano, marca o início da vigência dos poderes e é essencial para estabelecer a ordem cronológica quando existem múltiplas procurações.

A assinatura do outorgante é absolutamente obrigatória e deve corresponder à que consta no documento de identificação. Quando a lei ou a finalidade da procuração o exigem, esta assinatura deve ser reconhecida por entidade competente. É também recomendável, embora não obrigatório, que o procurador manifeste a sua aceitação, o que comprova o conhecimento e concordância com os poderes que lhe são conferidos.

Cláusulas Importantes

Certas cláusulas conferem à procuração características especiais que podem ser relevantes conforme as circunstâncias. A cláusula de substabelecimento permite ao procurador nomear outro procurador, devendo especificar-se se este substabelecimento pode ser feito no todo ou em parte e com ou sem reserva de iguais poderes. A cláusula de ratificação compromete o outorgante a aceitar todos os actos praticados pelo procurador no exercício dos poderes conferidos, reforçando a segurança jurídica para terceiros.

A cláusula “in rem suam” é utilizada quando o procurador tem interesse próprio no negócio, tornando a procuração irrevogável salvo justa causa, sendo comum em garantias bancárias. Por fim, é possível incluir uma cláusula estabelecendo que a procuração se mantém válida mesmo em caso de morte ou incapacidade superveniente do outorgante, embora esta só produza efeitos se expressamente acordada.

Custos e Locais

Os custos variam significativamente consoante o tipo de procuração e o local onde é outorgada. Uma procuração por escritura pública em cartório notarial custa geralmente entre 60 e 150 euros, dependendo da complexidade dos poderes conferidos. O reconhecimento de assinatura em cartório, advogado ou solicitador situa-se entre 30 e 50 euros, enquanto nas juntas de freguesia os valores são mais reduzidos, ficando entre 15 e 30 euros para documentos mais simples.

Revogação

O outorgante pode revogar a procuração a qualquer momento, salvo se esta for irrevogável por ser conferida no interesse do procurador. A revogação deve seguir a mesma forma da procuração original, ou seja, uma procuração por escritura pública deve ser revogada também por escritura. É fundamental comunicar a revogação ao procurador e a eventuais terceiros interessados, podendo ser necessário cancelar o registo em conservatórias quando a procuração tenha sido registada e publicar editais em situações específicas.

Erros Comuns a Evitar

Um erro frequente é conferir poderes excessivamente genéricos, como “poderes para todos os actos”, sem especificar concretamente o que o procurador pode fazer. Esta generalidade pode criar problemas de interpretação e execução. Outro erro comum é não estabelecer limites de valores, especialmente em procurações bancárias ou para transacções comerciais, expondo o outorgante a riscos desnecessários.

A identificação incompleta das partes, omitindo dados essenciais como o NIF ou a morada, pode comprometer a validade da procuração. Nos actos de disposição, como vender ou hipotecar bens, é fundamental mencionar expressamente estes poderes, pois não se presumem incluídos em fórmulas gerais. Por fim, muitas procurações falham ao não definir prazo ou condição de cessação, criando incerteza quanto à sua vigência.

Validade Internacional

Quando a procuração portuguesa precisa de ser utilizada no estrangeiro, pode ser necessária a apostila de Haia para países aderentes à Convenção de Haia, dispensando a legalização consular. Para países não aderentes, exige-se a legalização no Ministério dos Negócios Estrangeiros e posteriormente no consulado do país de destino. Em ambos os casos pode ser necessária tradução juramentada do documento.

Recomendações Finais

Ao outorgar uma procuração, é fundamental confiar plenamente na pessoa escolhida como procurador, pois este irá agir em seu nome com amplos poderes. Deve ser-se específico e claro na definição dos poderes conferidos, evitando ambiguidades que possam gerar litígios. É aconselhável estabelecer limites claros, tanto temporais como de valores, adequados à finalidade pretendida. Para situações complexas ou de elevado valor, recomenda-se vivamente o acompanhamento de advogado ou solicitador na redacção da procuração, garantindo que todos os aspectos legais são devidamente acautelados e que os interesses do outorgante ficam protegidos.


Nota: Este artigo tem carácter informativo. Para a redacção de procurações específicas, consulte um profissional habilitado.

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