Na compra e venda de imóveis em Portugal, dois documentos assumem papel fundamental: o contrato-promessa e a escritura pública. Compreender a diferença entre ambos é essencial para quem pretende adquirir ou vender propriedade imobiliária.
O Contrato-Promessa de Compra e Venda
O contrato-promessa, frequentemente abreviado como CPCV, é um acordo prévio através do qual as partes se comprometem a celebrar, no futuro, um contrato definitivo de compra e venda. Regulado pelos artigos 410.º e seguintes do Código Civil, este documento tem natureza preliminar e não opera a transferência da propriedade do imóvel, criando apenas uma obrigação entre vendedor e comprador de celebrarem posteriormente a escritura definitiva.
Este contrato pode ser celebrado por documento particular, embora quando uma das partes pretenda registá-lo na conservatória para protecção contra terceiros, seja necessário o reconhecimento das assinaturas por notário, advogado ou solicitador. Alternativamente, pode ser feito por documento autenticado ou mesmo por escritura pública, conferindo maior solenidade ao acto.
O contrato-promessa deve conter obrigatoriamente a identificação completa das partes, a identificação precisa do imóvel através do artigo matricial e descrição predial, o preço acordado, o prazo para celebração da escritura definitiva e as consequências do eventual incumprimento. É habitual incluir também a entrega de um sinal, geralmente entre 10% a 30% do valor total acordado, bem como condições suspensivas como a obtenção de crédito bancário ou a resolução de questões urbanísticas pendentes.
A Escritura Pública
A escritura pública é o contrato definitivo de compra e venda, previsto no artigo 875.º do Código Civil, que efectivamente opera a transmissão da propriedade do imóvel. Ao contrário do contrato-promessa, a escritura é obrigatoriamente lavrada por notário em cartório notarial, seguindo formalidades legais rígidas que conferem ao acto a máxima segurança jurídica.
Com a celebração da escritura, o comprador torna-se proprietário do imóvel, embora para que este direito produza efeitos contra terceiros seja necessário proceder ao seu registo na Conservatória do Registo Predial. Este acto notarial é irreversível e marca o momento em que se efectua o pagamento total do preço acordado e se procede à entrega das chaves do imóvel.
Diferenças Fundamentais
A diferença primordial entre o contrato-promessa e a escritura reside na sua natureza e efeitos jurídicos. Enquanto o contrato-promessa é um acto preliminar que cria uma obrigação de fazer, ou seja, a obrigação de celebrar o contrato definitivo, a escritura é o contrato definitivo que transfere efectivamente a propriedade. Esta distinção é crucial: após assinar apenas o contrato-promessa, o comprador ainda não é proprietário do imóvel, ao passo que após a escritura, a propriedade foi transmitida.
No que respeita à forma, o contrato-promessa admite maior flexibilidade, podendo ser celebrado por documento particular com reconhecimento de assinaturas, ao passo que a escritura exige obrigatoriamente a intervenção de um notário e o cumprimento de formalidades específicas. Esta diferença reflecte-se também nos custos: o contrato-promessa implica custos relativamente reduzidos, essencialmente relacionados com o reconhecimento de assinaturas e eventual registo provisório, enquanto a escritura acarreta custos substancialmente mais elevados, incluindo emolumentos notariais, o pagamento do Imposto Municipal sobre Transmissões (IMT), o Imposto de Selo e as despesas de registo definitivo.
O Processo Completo de Aquisição
O processo típico de compra e venda de um imóvel em Portugal desenvolve-se em várias fases. Inicialmente, após negociações preliminares, as partes celebram o contrato-promessa onde o comprador entrega um sinal, habitualmente entre 10% a 30% do preço total. Este contrato fixa um prazo para a celebração da escritura, geralmente entre 30 a 90 dias, período durante o qual o comprador trata da obtenção de financiamento bancário e o vendedor resolve eventuais pendências documentais.
Durante este período intermédio, ambas as partes preparam a documentação necessária para a escritura definitiva, incluindo certidões actualizadas, licenças de utilização, certificado energético e comprovativos de pagamento de impostos. Quando chega o dia marcado para a escritura, procede-se ao pagamento do valor remanescente, à entrega das chaves e à assinatura do documento definitivo pelo notário, completando-se assim a transmissão da propriedade.
Após a escritura, é fundamental proceder ao registo da aquisição na Conservatória do Registo Predial, acto que confere oponibilidade a terceiros e protege plenamente o novo proprietário. Actualmente, este envio é feito automaticamente pelos notários através do sistema informático SIPA, simplificando significativamente o processo.
Condições Suspensivas e Incumprimento
No contrato-promessa é comum incluírem-se condições suspensivas, ou seja, situações cujo não verificação permite a resolução do contrato sem penalizações. A mais frequente é a obtenção de crédito bancário pelo comprador, protegendo-o caso o financiamento não seja aprovado. Podem também incluir-se condições relacionadas com a obtenção de licenças de utilização, a resolução de ónus sobre o imóvel ou a aprovação de projectos de remodelação.
Quanto às consequências do incumprimento, a lei estabelece regras claras. Se o comprador não comparecer à escritura ou não cumprir as obrigações assumidas no contrato-promessa, perde o sinal entregue a favor do vendedor. Por outro lado, se for o vendedor a faltar às suas obrigações, deve devolver o sinal em dobro ao comprador. Adicionalmente, a parte lesada pode sempre intentar acção judicial exigindo o cumprimento específico do contrato ou a indemnização pelos prejuízos sofridos.
Registo e Protecção de Direitos
O registo do contrato-promessa na Conservatória do Registo Predial, embora facultativo, é fortemente recomendado pois confere ao comprador protecção contra eventuais vendas do mesmo imóvel a terceiros. Este registo provisório tem validade de um ano, prorrogável, e garante a prioridade do direito do promitente-comprador. Já o registo da escritura é essencial para que a aquisição produza plenos efeitos contra terceiros, sendo portanto indispensável para a protecção completa do novo proprietário.
Custos Estimados
Para uma habitação com valor de 150.000 euros, os custos do contrato-promessa incluem essencialmente o reconhecimento de assinaturas, entre 30 a 50 euros, o eventual registo provisório, cerca de 250 euros, e o Imposto de Selo sobre o sinal entregue, correspondente a 0,8% do seu valor. Já os custos da escritura são substancialmente superiores, incluindo o IMT que pode variar significativamente conforme se trate de habitação própria permanente e o escalão de valor, o Imposto de Selo de 0,8% sobre o valor total da transacção, os emolumentos notariais e as despesas de registo definitivo, totalizando frequentemente vários milhares de euros.
Erro Comum e Recomendações
Um erro frequente é pensar que após assinar o contrato-promessa já se é proprietário do imóvel. Esta confusão pode ter consequências graves, pois o contrato-promessa confere apenas o direito a exigir a celebração da escritura, não conferindo ainda a propriedade. Apenas com a escritura pública e o respectivo registo se adquire plenamente o imóvel.
Recomenda-se vivamente o acompanhamento de advogado ou solicitador em ambas as fases do processo, garantindo que todos os requisitos legais são cumpridos e que os direitos de ambas as partes ficam devidamente protegidos. Antes de assinar qualquer documento, deve verificar-se cuidadosamente a situação jurídica do imóvel através de certidões actualizadas e confirmar a inexistência de ónus, hipotecas ou outros encargos que possam comprometer a transacção.
Nota: Este artigo tem carácter informativo. Para situações específicas, consulte sempre um profissional habilitado.profissional habilitado (advogado, solicitador ou notário).




